A Casa de Grifo
A dinastia que fez do grifo o emblema de uma cultura que luta por resistência
Entre o paganismo eslavo e a diplomacia cristã, a Casa de Grifo construiu uma dinastia que moldou o destino da Pomerânia por mais de cinco séculos. Forjada em meio a tensões religiosas, ambições imperiais e rotas comerciais bálticas, essa linhagem híbrida consolidou uma identidade própria, simbolizada pela figura mitológica do grifo, e deixou um legado que ainda reverbera no imaginário europeu e nas comunidades pomeranas da diáspora.
Para entender a importância e significado dadinastia, é preciso que retornemos ao século XII, à região litorânea entre o rio Oder e o mar Báltico, onde uma elite tribal eslava, até então pagã, converteu-se ao cristianismo, consolidou estruturas dinásticas e fez do grifo (criatura mítica com corpo de leão e cabeça de águia) o emblema de um projeto civilizacional que desafiou tanto os impérios ocidentais quanto as cruzadas nórdicas.
A Casa de Grifo
A Casa de Grifo, ou Casa dos Grifinos, foi a dinastia dos Duques da Pomerânia. Originou-se no seio das elites lequíticas da costa meridional do mar Báltico, em uma época em que o cristianismo ainda era contestado pelas tradições eslavas.
O primeiro líder documentado da linhagem foi Wartislaw I, cuja atuação política é atestada entre 1121 e 1135. Este príncipe, nativo das terras pomeranas, foi batizado no contexto das campanhas de evangelização promovidas por Boleslau III da Polônia, através da ação diplomática e missionária de Otão de Bamberg.
A conversão de Wartislaw foi uma estratégia de sobrevivência: em meio à crescente pressão dos poderes germânicos e à hostilidade da Ordem dos Cavaleiros Teutônicos, alinhar-se com Roma era assegurar legitimidade e proteção.
O nome da casa foi consolidado apenas nos séculos seguintes. A iconografia do grifo, símbolo que combinava a ferocidade do leão com a visão aguçada da águia, passou a figurar em selos e estandartes a partir do governo de Barnim I, no século XIII. Não se tratava de uma escolha estética. Sendo assim, o grifo representava a tentativa consciente de projetar uma soberania híbrida: selvagem, mas racional; terrena, mas inspirada pelos céus. Essa imagem mítica cristalizou-se como expressão heráldica de uma dinastia que pretendia afirmar-se entre os grandes nomes da cristandade nórdica e eslava.

Liga Hanseática
Durante os séculos XIII e XIV, a Casa de Grifo expandiu seu domínio através de estratégias matrimoniais, construção de cidades e acordos comerciais com a emergente Liga Hanseática, uma rede de cidades-estado germânicas que controlava o comércio do mar Báltico. Os grifinos mantinham relações diplomáticas ora com o Reino da Polônia, ora com o Sacro Império Romano-Germânico, ora com os reinos escandinavos, ajustando-se conforme as conjunturas. Fundaram e governaram importantes centros urbanos como Stettin (Szczecin), Wolgast, Greifswald e Stralsund, consolidando um mosaico territorial que, embora fragmentado, permanecia sob a égide simbólica do mesmo brasão.
Contudo, a estrutura política da casa não era centralizada. Os territórios eram regularmente divididos entre os filhos, dando origem a diversos ramos simultâneos: Pomerânia-Stettin, Pomerânia-Wolgast, Pomerânia-Barth, entre outros. Essa prática, comum na nobreza germânica, evitava conflitos de sucessão diretos, mas frequentemente debilitava a coesão política do ducado. Mesmo assim, a identidade grifina manteve-se coesa graças à força simbólica da heráldica comum e à persistência das tradições dinásticas.
O ápice da Casa de Grifo se deu sob o comando de Bogislaw X, que governou entre 1474 e 1523. Dotado de refinamento político e visão administrativa, unificou os ramos fragmentados da casa, centralizou o poder e selou alianças com os Jaguelões, monarcas da Polônia e da Lituânia. Bogislaw X introduziu reformas econômicas, fortaleceu a burocracia, incentivou a construção de escolas e fortalezas, e estabeleceu censos demográficos e cartográficos. Seu governo representa a maturidade do projeto grifino, articulando-se com os ideais renascentistas de soberania territorial, racionalidade jurídica e identidade cultural.
Reforma Protestante
Contudo, após sua morte, a adesão da casa ao luteranismo, em sintonia com a Reforma Protestante, causou rupturas profundas. As relações com os Habsburgos, com o papado e com a Polônia católica deterioraram-se. Durante a Guerra dos Trinta Anos, o território pomerano tornou-se campo de batalha entre suecos, brandeburgueses e imperiais. A dinastia não resistiu ao caos. O último duque da linhagem, Bogislaw XIV, morreu em 1637 sem deixar herdeiros diretos. Com ele, extinguia-se oficialmente a Casa de Grifo.
O território pomerano foi então partilhado entre o Império Sueco e o Eleitorado de Brandemburgo-Prússia. A memória dos grifinos foi, por séculos, diluída entre narrativas prussianas e suecas, sendo muitas vezes germanizada ou apagada deliberadamente.
No entanto, o grifo permaneceu como símbolo resiliente nas tradições locais. Seu brasão foi retomado em momentos históricos de reinvenção identitária, inclusive nas comunidades pomeranas que emigraram para o Brasil no século XIX, especialmente nos estados do Espírito Santo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Nessas regiões, o grifo ressurge em brasões municipais, festas folclóricas e na iconografia cultural, mesmo quando seu significado original já não é plenamente compreendido.
Conclusão
A história da Casa de Grifo é, pois, mais que a crônica de uma dinastia medieval. Trata-se da afirmação de uma identidade forjada nas bordas do império e da fé. Uma linhagem que, ao invés de se render aos modelos dominantes de poder, criou sua própria mitologia política, reinterpretando símbolos antigos e alianças modernas com maestria. O grifo não foi apenas um emblema de prestígio nobiliárquico, mas o arquétipo de uma soberania alternativa, que ousou resistir e reinventar-se, mesmo quando a espada, a cruz e a coroa já haviam se voltado contra ela.